a OBSERVATÓRIO DA PAX: outubro 2020

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Declaração da Pax Christi Internacional no 75º Aniversário das Nações Unidas: Um apelo ao seu fortalecimento na era (pós) COVID-19


A par da Comemoração do seu 75.º aniversário, a Pax Christi Internacional emite esta declara-ção conjuntamente com outras vozes católicas que advogam pela paz, pela justiça e pelos direitos humanos nas Nações Unidas (ONU). Tal como a ONU, o movimento Pax Christi e outras organizações católicas brotaram após a devastação da II Guerra Mundial e do desejo de proteger as gerações vindouras dos flagelos da guerra.


Declaração no 75.º Aniversário das Nações Unidas: 
Um apelo ao seu fortalecimento na era (pós) COVID-19

Neste Dia das Nações Unidas, 24 de outubro de 2020, a Pax Christi Internacional, juntamente com os seus membros e sócios, comemora o 75.º aniversário do sistema da ONU e reconhece, do fundo do coração, os contributos globais da organização para a paz, para a justiça e para os direitos humanos pelo mundo todo.

Entre as suas conquistas contam-se o desenvolvimento dos direitos humanos, o fomento do desenvolvimento sustentável e da ação climática, a regulação das finanças mundiais, a adoção de padrões de desarmamento e a implementação de iniciativas para a cessação das hostilidades (como o recente apelo do Secretário-geral da ONU para um cessar-fogo mundial devido à CO-VID-19). Os nossos membros e sócios, pelo mundo todo, fizeram ampla ação na ONU defendendo estas medidas e participando ativamente na sua implementação.

Ao mesmo tempo que celebramos as suas conquistas e apoiamos o seu trabalho, estamos pro-fundamente preocupados com os desafios com que se confronta a ONU. Estas preocupações são especialmente prementes nestes tempos em que urgem respostas multilaterais às questões sociais, económicas e ambientais, decorrentes da devastadora crise sanitária pela COVID-19.

Estamos particularmente preocupados com a sistemática incapacidade do Conselho de Segurança das Nações Unidas para agir em situações críticas [1], a falta de vontade de alguns Estados-membros para intensificar a ação como reposta à crise climática, as respostas desadequadas às necessidades urgentes dos migrantes e refugiados, a não concretização do desarmamento nuclear e a falta de empenho para com os cidadãos do mundo. [2] Esperamos que o aniversário deste ano e a crise sem precedentes da COVID-19 possam gerar o clima ideal para o fortalecimento, tão aguardado, do sistema das Nações Unidas ao qual é necessário e urgente o apoio de todos os Estados-membros.

No dia 21 de setembro de 2020, numa reunião da Assembleia Geral para comemorar o 75.º aniversário da ONU, os líderes mundiais adotaram uma declaração em honra do quadro multilateral e comprometeram-se a cumprir melhor a promessa de proteger as gerações futuras do flagelo da guerra. [3] Para honrar esta promessa, instamos os Estados-membros da ONU a rejeitar o populismo nacionalista e, em seu lugar, a trabalhar em conjunto por um mundo mais sustentável.

No seu recente discurso à Assembleia Geral, o Papa Francisco frisou: “A pandemia mostrou que não podemos viver sem o outro, ou pior ainda, um contra o outro. As Nações Unidas foram criadas para unir as nações, aproximá-las, como uma ponte entre os povos; usemos esta instituição para transformar o desafio que enfrentamos numa oportunidade para construirmos juntos, uma vez mais, o futuro que queremos.” [4]

Este ano também se completam cinco anos sobre a adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, fundamentada nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Os Estados-membros da ONU comprometeram-se a tomar medidas para erradicar a pobreza, proteger o planeta e garantir que todas as pessoas usufruem da paz e da prosperidade. Para alcançar estes objetivos em 2030, os líderes mundiais devem repensar a ordem mundial, que está a alcançar os seus limites sociais, económicos e ecológicos, como este ano paralisante mostrou claramente.

Estamos preocupados pela desaceleração dos progressos rumo à concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, sobretudo porque a pandemia está a atingir, de forma mais dura, as pessoas mais vulneráveis [5]. A luta mundial contra a pandemia pode constituir uma oportunidade para que as nações voltem a focar-se nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, visando conseguir um mundo mais justo, melhor e mais seguro para todos.

Por ocasião do 75.º aniversário das Nações Unidas, e neste ano de crise sem precedentes para a humanidade, pedimos aos Estados-membros da ONU que renovem o seu compromisso de melhorar o sistema das Nações Unidas na era (pós) COVID-19 e que adotem as seguintes medidas:

  • Apoiar a prioridade que o Secretário-geral concede à prevenção de conflitos e à manutenção da paz, como parte da reestruturação do pilar da paz e segurança das Nações Unidas, contribuindo assim para o esforço no âmbito do tratamento das causas dos conflitos, do estabelecimento da paz, da mediação, na manutenção da paz e nos esforços pós-conflitos.
  • Explorar, escolher e implementar abordagens não-violentas na resolução de conflitos que coloquem em perigo a paz e a segurança internacionais, entre outros, tendo por base o Artigo 33 da Carta das Nações Unidas. Considerar as estratégias não-violentas como a primeira opção na resposta aos desafios sociais violentos ou potencialmente violentos, em vez do recurso à ação militar, que corre o risco de agravar ainda mais uma situação.
  • Aumentar o Orçamento para o funcionamento das Nações Unidas, particularmente na concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030, e para fazer face à crise sanitária da COVID-19 entre as populações mais vulneráveis. Alterar o financiamento e destiná-lo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável afastando-o dos gastos militares globais que assistiram, durante o ano passado, ao maior aumento anual numa década, alcançando os 1.917 mil milhões de dólares [6].
  • Assinar e ratificar posteriormente o Tratado de Proibição de Armas Nucleares, aprovado em 2017 na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, ou, logo que tenha ocorrido, instar a que outros países também assinem e ratifiquem o tratado. Implementar, em pleno, o referido tratado logo que entre em vigor, o que deve ocorrer 90 dias após a quinquagésima ratificação (até à data: 47 ratificações), incluindo as suas disposições sobre a assistência às vítimas e a reparação ambiental. [7]

---------------------------------

[1] A título de exemplo, podemos citar a incapacidade do Conselho de Segurança para enfrentar a crise dos muçulmanos Rohingya, a guerra civil na Síria ou a disputa eleitoral na Bielorrússia. Além disso, o Conselho levou vários meses para respaldar o apelo a um cessar-fogo global pela COVID-19, que o Secretário-geral da ONU lançou em março.

[2] 74% dos que responderam a uma consulta global das Nações Unidas a propósito deste 75º aniversário consideram a ONU “essencial” para fazer face aos desafios globais quando se olha para o futuro. Contudo, mais de metade vê a ONU como algo remoto na sua vida e diz não saber muito sobre ela. Leia-se, a pág. 99 do relatório The Future We Want: The United Nations We Need (setembro de 2020), disponível em: https://www.un.org/sites/un2.un.org/files/un75report_september_final_english.pdf

[3] Cobertura da reunião e comunicados de imprensa, World Leaders Adopt Declaration Promising Safer, More Resilient World for Future Generations, as General Assembly Marks United Nations Seventy-Fifth Anniversary (1 de setembro de 2020), GA/12267, disponível em: https://www.un.org/press/en/2020/ga12267.doc.htm.

[4] Missão Permanente de Observação da Santa Sé junto das Nações Unidas, Address of His Holiness, Pope Francis, To The United Nations General Assembly (25 de setembro de 2020), Sessão da Assembleia Geral da ONU no 75º Aniversário, disponível em: https://holyseemission.org/contents/statements/5f6df8f78dd6b.php

[5] SDG Knowledge Hub, UN Secretary-General Releases 2020 SDG Progress Report (19 de maio de 2020), disponível em: https://sdg.iisd.org/news/un-secretary-general-releases-2020-sdg-progress-report.

[6] SIPRI, Global military expenditure sees largest annual increase in a decade—says SIPRI—reaching $1917 billion in 2019 (27 de abril de 2020), disponível em: https://www.sipri.org/media/press-release/2020/global-military-expenditure-sees-largest-annual-increase-decade-says-sipri-reaching-1917-billion.

[7] Veja-se este site da ICAN para as últimas atualizações respeitantes às assinaturas e ratificações do Tratado de Proibição de Armas Nucleares das Nações Unidas: https://www.icanw.org/signature_and_ratification_status.

Etiquetas: , ,

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Fratelli tutti: Declaração da Pax Christi Internacional sobre a encíclica do Papa Francisco


Fratelli tutti: Uma base para promover a não-violência num mundo violento

Uma declaração da Pax Christi Internacional sobre a encíclica do Papa Francisco
6 de outubro de 2020


A Pax Christi Internacional está grata pela nova encíclica do Papa Francisco, Fratelli tutti: Sobre a fraternidade e a amizade social. Este documento oportuno enfrenta as realidades de um mundo polarizado, violento e injusto no meio da crise mundial da pandemia COVID-19 e visualiza uma nova forma de avançar para um futuro mais justo, pacífico, igual, esperançoso e não-violento.

Embora Fratelli tutti não use explicitamente o termo não-violência, a encíclica oferece uma base clara para desenvolver e integrar a teologia e a prática da não-violência no ensinamento da Igreja, um esforço ao qual se dedica a Iniciativa Católica de Não-violência da Pax Christi. Em particular, a análise clara do Papa Francisco da violência global, incluindo a violência estrutural, prepara o cenário para uma compreensão mais profunda da não-violência.

No início do documento, o Papa Francisco descreve o “normal injusto”, com as suas estruturas económicas, políticas, sociais e tecnológicas interligadas, que dividem os privilegiados de milhares de outros, incluindo os empobrecidos, os migrantes, as mulheres, os doentes, os idosos. Para transformar o mundo de maneira não-violenta, devemos primeiro vislumbrar a sua violência, e o Papa Francisco não nos poupa nisto.

O papa, porém, não se limita a descrever a realidade do nosso mundo injusto; ele responde-lhe com temas-chave fundamentados numa visão espiritual primordial, que é também a base da ética universal da não-violência: que todos os seres em todos os lugares estão interrelacionados. Inspirado por São Francisco de Assis, que fez da sororidade e da fraternidade de todos os seres uma pedra de toque da sua espiritualidade e ação concreta no mundo, o Papa Francisco dissolve todas as barreiras que nos impedem de ver e viver esta realidade.

Na encíclica, uma série de temas resulta logicamente disto. Se somos todos parentes, se somos todos uma família, então devemos desafiar tudo o que destrói esta unidade: mostrando cuidado radical uns pelos outros; construindo uma cultura de encontro autêntico; tornando o diálogo central na nossa maneira de ser; e colocando em ação a solidariedade com os mais excluídos, despossuídos, desumanizados e sistematicamente sob ataque. O Papa Francisco está aqui a chamar-nos inflexivelmente à vida não-violenta, especialmente iluminada pela sua extensa análise da história do Bom Samaritano.

O Papa Francisco nesta encíclica também age, mesmo quando chama o mundo a fazê-lo. Reitera a inadmissibilidade da pena de morte, mas talvez ainda de grande envergadura é a reflexão do Papa Francisco sobre a guerra, que acreditamos ir mais longe do que qualquer encíclica papal na história.

Ao enfatizar como a tradição da guerra justa fracassa face à guerra moderna, ele escreve: “Já não podemos pensar na guerra como solução, porque provavelmente os riscos sempre serão superiores à hipotética utilidade que se lhe atribua. Perante esta realidade, hoje é muito difícil sustentar os critérios racionais amadurecidos noutros séculos para falar duma possível ‘guerra justa’.” Na nota de rodapé nº 242, ele é ainda mais direto: “Santo Agostinho, que elaborou uma ideia da ‘guerra justa’ que hoje já não defendemos, disse que ‘matar a guerra com a palavra e alcançar e conseguir a paz com a paz e não com a guerra, é maior glória do que a dar aos homens com a espada’ (Epistula 229, 2: PL 33, 1020).”

A Pax Christi Internacional e a sua Iniciativa Católica de Não-Violência estão enormemente gratas pela visão do Papa Francisco de tal mundo, que ele compartilha desde o início do seu papado. Em resposta a esta visão, temos explorado a não-violência como uma espiritualidade, um modo de vida, um programa de transformação social e uma ética universal. Fratelli tutti oferece uma base para promover a teologia e a prática fiel da não-violência.

O Papa Francisco convida-nos a uma reflexão sobre a realidade da guerra e sobre outra realidade quando “escolhemos a paz”. Façamos esta viagem com o Papa enquanto fazemos avançar esta reflexão juntos em busca de uma casa comum mais justa, pacífica e não-violenta.


Pode descarregar a versão em PDF aqui.


Etiquetas: , , , , ,

sábado, 3 de outubro de 2020

Tempo da Criação: 7. Envolvimento comunitário e participação ativa no cuidado da criação

Envolvimento comunitário e participação ativa no cuidado da criação

Aos problemas sociais responde-se, não com a mera soma de bens individuais, mas com redes comunitárias: «As exigências desta obra serão tão grandes, que as possibilidades das iniciativas individuais e a cooperação dos particulares, formados de maneira individualista, não serão capazes de lhes dar resposta. Será necessária uma união de forças e uma unidade de contribuições». A conversão ecológica, que se requer para criar um dinamismo de mudança duradoura, é também uma conversão comunitária. (Laudato Si', n. 219)

Só com o contributo de todos e cada um poderemos alcançar uma verdadeira conversão ecológica e uma verdadeira paz com justiça para o mundo e toda a Criação.

Todos somos chamados a participar, a nível local, regional, nacional e internacional, promovendo campanhas populares e de sensibilização, favorecendo o enraizamento no território local e nos ecossistemas vizinhos, etc.


«Todos podemos colaborar no cuidado da criação como instrumentos de Deus,
cada um com a sua cultura e experiência, as suas iniciativas e capacidades.»
Papa Francisco

Etiquetas: , ,

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

Tempo da Criação: 6. Espiritualidade ecológica

Espiritualidade ecológica

E parte duma adequada compreensão da espiritualidade consiste em alargar a nossa compreensão da paz, que é muito mais do que a ausência de guerra. A paz interior das pessoas tem muito a ver com o cuidado da ecologia e com o bem comum, porque, autenticamente vivida, reflete-se num equilibrado estilo de vida aliado com a capacidade de admiração que leva à profundidade da vida. [...] Falamos aqui duma atitude do coração, que vive tudo com serena atenção, que sabe manter-se plenamente presente diante duma pessoa sem estar a pensar no que virá depois, que se entrega a cada momento como um dom divino que se deve viver em plenitude. (Laudato Si', nn. 225.226)

Para viver esta espiritualidade ecológica importa restabelecer uma visão em chave religiosa da criação de Deus, encorajar um maior contacto com a natureza com espírito de admiração, louvor, alegria e gratidão, promover celebrações litúrgicas focadas na criação, desenvolver abordagens ecológicas na catequese, na oração, nos retiros, na formação, etc.

Etiquetas: , ,

quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Tempo da Criação: 5. Educação ecológica

Educação ecológica

É muito nobre assumir o dever de cuidar da criação com pequenas ações diárias, e é maravilhoso que a educação seja capaz de motivar para elas até dar forma a um estilo de vida. [...] Vários são os âmbitos educativos: a escola, a família, os meios de comunicação, a catequese, e outros. (Laudato Si', nn. 211.213)

Para alcançar uma verdadeira educação ecológica é urgente rever e redefinir programas de ensino, reestruturar escolas à luz da ecologia integral, com o objetivo de criar consciência ecológica, estimular a ação concreta e promover a vocação ecológica de jovens, professores, líderes na área da educação, etc.

Para sugestões de atividades e reflexões no âmbito deste tema, ver as seguintes publicações editadas pela Pax Christi Portugal, disponíveis on-line:

* Viver com Simplicidade, Sustentabilidade e em Solidariedade com os Pobres. Nos 40 anos da Populorum Progressio. 2ª edição: http://www.paxchristiportugal.net/pubs/pub_viver_simplicidade_2ed.htm

* Cuidar da Criação é Construir a Paz. Subsídios para a Celebração do 43º Dia Mundial da Paz: http://www.paxchristiportugal.net/pubs/pub_DMP2010.htm

Etiquetas: , , ,