a OBSERVATÓRIO DA PAX: novembro 2017

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

51º DIA MUNDIAL DA PAZ: Migrantes e refugiados: homens e mulheres em busca de paz

MENSAGEM DO SANTO PADRE 
FRANCISCO
PARA A CELEBRAÇÃO DO
51º DIA MUNDIAL DA PAZ

1° DE JANEIRO DE 2018

Migrantes e refugiados: homens e mulheres em busca de paz

1. Votos de paz

Paz a todas as pessoas e a todas as nações da terra! A paz, que os anjos anunciam aos pastores na noite de Natal,[1] é uma aspiração profunda de todas as pessoas e de todos os povos, sobretudo de quantos padecem mais duramente pela sua falta. Dentre estes, que trago presente nos meus pensamentos e na minha oração, quero recordar de novo os mais de 250 milhões de migrantes no mundo, dos quais 22 milhões e meio são refugiados. Estes últimos, como afirmou o meu amado predecessor Bento XVI, «são homens e mulheres, crianças, jovens e idosos que procuram um lugar onde viver em paz».[2] E, para o encontrar, muitos deles estão prontos a arriscar a vida numa viagem que se revela, em grande parte dos casos, longa e perigosa, a sujeitar-se a fadigas e sofrimentos, a enfrentar arames farpados e muros erguidos para os manter longe da meta.

Com espírito de misericórdia, abraçamos todos aqueles que fogem da guerra e da fome ou se veem constrangidos a deixar a própria terra por causa de discriminações, perseguições, pobreza e degradação ambiental.

Estamos cientes de que não basta abrir os nossos corações ao sofrimento dos outros. Há muito que fazer antes de os nossos irmãos e irmãs poderem voltar a viver em paz numa casa segura. Acolher o outro requer um compromisso concreto, uma corrente de apoios e beneficência, uma atenção vigilante e abrangente, a gestão responsável de novas situações complexas que às vezes se vêm juntar a outros problemas já existentes em grande número, bem como recursos que são sempre limitados. Praticando a virtude da prudência, os governantes saberão acolher, promover, proteger e integrar, estabelecendo medidas práticas, «nos limites consentidos pelo bem da própria comunidade retamente entendido, [para] lhes favorecer a integração»[3]. Os governantes têm uma responsabilidade precisa para com as próprias comunidades, devendo assegurar os seus justos direitos e desenvolvimento harmónico, para não serem como o construtor insensato que fez mal os cálculos e não conseguiu completar a torre que começara a construir.[4]

2. Porque há tantos refugiados e migrantes?

Na mensagem para idêntica ocorrência no Grande Jubileu pelos 2000 anos do anúncio de paz dos anjos em Belém, São João Paulo II incluiu o número crescente de refugiados entre os efeitos de «uma sequência infinda e horrenda de guerras, conflitos, genocídios, “limpezas étnicas”»[5] que caraterizaram o século XX. E até agora, infelizmente, o novo século não registou uma verdadeira viragem: os conflitos armados e as outras formas de violência organizada continuam a provocar deslocações de populações no interior das fronteiras nacionais e para além delas.

Todavia as pessoas migram também por outras razões, sendo a primeira delas «o desejo de uma vida melhor, unido muitas vezes ao intento de deixar para trás o “desespero” de um futuro impossível de construir».[6] As pessoas partem para se juntar à própria família, para encontrar oportunidades de trabalho ou de instrução: quem não pode gozar destes direitos, não vive em paz. Além disso, como sublinhei na Encíclica Laudato si’, «é trágico o aumento de migrantes em fuga da miséria agravada pela degradação ambiental».[7]

A maioria migra seguindo um percurso legal, mas há quem tome outros caminhos, sobretudo por causa do desespero, quando a pátria não lhes oferece segurança nem oportunidades, e todas as vias legais parecem impraticáveis, bloqueadas ou demasiado lentas.

Em muitos países de destino, generalizou-se largamente uma retórica que enfatiza os riscos para a segurança nacional ou o peso do acolhimento dos recém-chegados, desprezando assim a dignidade humana que se deve reconhecer a todos, enquanto filhos e filhas de Deus. Quem fomenta o medo contra os migrantes, talvez com fins políticos, em vez de construir a paz, semeia violência, discriminação racial e xenofobia, que são fonte de grande preocupação para quantos têm a peito a tutela de todos os seres humanos.[8]

Todos os elementos à disposição da comunidade internacional indicam que as migrações globais continuarão a marcar o nosso futuro. Alguns consideram-nas uma ameaça. Eu, pelo contrário, convido-vos a vê-las com um olhar repleto de confiança, como oportunidade para construir um futuro de paz.

3. Com olhar contemplativo

A sabedoria da fé nutre este olhar, capaz de intuir que todos pertencemos «a uma só família, migrantes e populações locais que os recebem, e todos têm o mesmo direito de usufruir dos bens da terra, cujo destino é universal, como ensina a doutrina social da Igreja. Aqui encontram fundamento a solidariedade e a partilha».[9] Estas palavras propõem-nos a imagem da nova Jerusalém. O livro do profeta Isaías (cap. 60) e, em seguida, o Apocalipse (cap. 21) descrevem-na como uma cidade com as portas sempre abertas, para deixar entrar gente de todas as nações, que a admira e enche de riquezas. A paz é o soberano que a guia, e a justiça o princípio que governa a convivência dentro dela.

Precisamos de lançar, também sobre a cidade onde vivemos, este olhar contemplativo, «isto é, um olhar de fé que descubra Deus que habita nas suas casas, nas suas ruas, nas suas praças (...), promovendo a solidariedade, a fraternidade, o desejo de bem, de verdade, de justiça»,[10] por outras palavras, realizando a promessa da paz.

Detendo-se sobre os migrantes e os refugiados, este olhar saberá descobrir que eles não chegam de mãos vazias: trazem uma bagagem feita de coragem, capacidades, energias e aspirações, para além dos tesouros das suas culturas nativas, e deste modo enriquecem a vida das nações que os acolhem. Saberá vislumbrar também a criatividade, a tenacidade e o espírito de sacrifício de inúmeras pessoas, famílias e comunidades que, em todas as partes do mundo, abrem a porta e o coração a migrantes e refugiados, inclusive onde não abundam os recursos.

Este olhar contemplativo saberá, enfim, guiar o discernimento dos responsáveis governamentais, de modo a impelir as políticas de acolhimento até ao máximo dos «limites consentidos pelo bem da própria comunidade retamente entendido»,[11] isto é, tomando em consideração as exigências de todos os membros da única família humana e o bem de cada um deles.

Quem estiver animado por este olhar será capaz de reconhecer os rebentos de paz que já estão a despontar e cuidará do seu crescimento. Transformará assim em canteiros de paz as nossas cidades, frequentemente divididas e polarizadas por conflitos que se referem precisamente à presença de migrantes e refugiados.

4. Quatro pedras miliárias para a ação

Oferecer a requerentes de asilo, refugiados, migrantes e vítimas de tráfico humano uma possibilidade de encontrar aquela paz que andam à procura, exige uma estratégia que combine quatro ações: acolher, proteger, promover e integrar.[12]

«Acolher» faz apelo à exigência de ampliar as possibilidades de entrada legal, de não repelir refugiados e migrantes para lugares onde os aguardam perseguições e violências, e de equilibrar a preocupação pela segurança nacional com a tutela dos direitos humanos fundamentais. Recorda-nos a Sagrada Escritura: «Não vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o saberem, hospedaram anjos».[13]

«Proteger» lembra o dever de reconhecer e tutelar a dignidade inviolável daqueles que fogem dum perigo real em busca de asilo e segurança, de impedir a sua exploração. Penso de modo particular nas mulheres e nas crianças que se encontram em situações onde estão mais expostas aos riscos e aos abusos que chegam até ao ponto de as tornar escravas. Deus não discrimina: «O Senhor protege os que vivem em terra estranha e ampara o órfão e a viúva».[14]

«Promover» alude ao apoio para o desenvolvimento humano integral de migrantes e refugiados. Dentre os numerosos instrumentos que podem ajudar nesta tarefa, desejo sublinhar a importância de assegurar às crianças e aos jovens o acesso a todos os níveis de instrução: deste modo poderão não só cultivar e fazer frutificar as suas capacidades, mas estarão em melhores condições também para ir ao encontro dos outros, cultivando um espírito de diálogo e não de fechamento ou de conflito. A Bíblia ensina que Deus «ama o estrangeiro e dá-lhe pão e vestuário»; daí a exortação: «Amarás o estrangeiro, porque foste estrangeiro na terra do Egito».[15]

Por fim, «integrar» significa permitir que refugiados e migrantes participem plenamente na vida da sociedade que os acolhe, numa dinâmica de mútuo enriquecimento e fecunda colaboração na promoção do desenvolvimento humano integral das comunidades locais. «Portanto – como escreve São Paulo – já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus».[16]

5. Uma proposta para dois Pactos internacionais

Almejo do fundo do coração que seja este espírito a animar o processo que, no decurso de 2018, levará à definição e aprovação por parte das Nações Unidas de dois pactos globais: um para migrações seguras, ordenadas e regulares, outro referido aos refugiados. Enquanto acordos partilhados a nível global, estes pactos representarão um quadro de referência para propostas políticas e medidas práticas. Por isso, é importante que sejam inspirados por sentimentos de compaixão, clarividência e coragem, de modo a aproveitar todas as ocasiões para fazer avançar a construção da paz: só assim o necessário realismo da política internacional não se tornará uma capitulação ao cinismo e à globalização da indiferença.

De facto, o diálogo e a coordenação constituem uma necessidade e um dever próprio da comunidade internacional. Mais além das fronteiras nacionais, é possível também que países menos ricos possam acolher um número maior de refugiados ou acolhê-los melhor, se a cooperação internacional lhes disponibilizar os fundos necessários.

A Secção Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral sugeriu 20 pontos de ação[17] como pistas concretas para a implementação dos supramencionados quatro verbos nas políticas públicas e também na conduta e ação das comunidades cristãs. Estas e outras contribuições pretendem expressar o interesse da Igreja Católica pelo processo que levará à adoção dos referidos pactos globais das Nações Unidas. Um tal interesse confirma uma vez mais a solicitude pastoral que nasceu com a Igreja e tem continuado em muitas das suas obras até aos nossos dias.

6. Em prol da nossa casa comum

Inspiram-nos as palavras de São João Paulo II: «Se o “sonho” de um mundo em paz é partilhado por tantas pessoas, se se valoriza o contributo dos migrantes e dos refugiados, a humanidade pode tornar-se sempre mais família de todos e a nossa terra uma real “casa comum”».[18] Ao longo da história, muitos acreditaram neste «sonho» e as suas realizações testemunham que não se trata duma utopia irrealizável.

Entre eles conta-se Santa Francisca Xavier Cabrini, cujo centenário do nascimento para o Céu ocorre em 2017. Hoje, dia 13 de novembro, muitas comunidades eclesiais celebram a sua memória. Esta pequena grande mulher, que consagrou a sua vida ao serviço dos migrantes tornando-se depois a sua Padroeira celeste, ensinou-nos como podemos acolher, proteger, promover e integrar estes nossos irmãos e irmãs. Pela sua intercessão, que o Senhor nos conceda a todos fazer a experiência de que «o fruto da justiça é semeado em paz por aqueles que praticam a paz».[19]

Vaticano, 13 de novembro – Memória de Santa Francisca Xavier Cabrini, Padroeira dos migrantes – de 2017.

Franciscus


[1] Cf. Evangelho de Lucas 2, 14.
[2] Alocução do Angelus (15/I/2012)
[3] João XXIII, Carta enc. Pacem in terris, 106.
[4] Cf. Evangelho de Lucas 14, 28-30.
[5] Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2000, 3.
[6] Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2013.
[7] N.º 25.
[8] Cf. Francisco, Discurso aos Diretores nacionais da Pastoral dos Migrantes, participantes no Encontro promovido pelo Conselho das Conferências Episcopais da Europa (22/IX/2017).
[9] Bento XVI, Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2011.
[10] Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 71
[11] João XXIII, Carta enc. Pacem in terris, 106
[12] Francisco, Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2018, (15/VIII/2017).
[13] Carta aos Hebreus 13, 2.
[14] Salmo 146, 9.
[15] Livro do Deuteronómio 10, 18-19.
[16] Carta aos Efésios 2, 19.
[17] «20 Pontos de Ação Pastoral» e «20 Pontos de Ação para os Pactos Globais» (2017). Cf. também Documento ONU A/72/528.
[18] Mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado de 2004, 6.
[19] Carta de Tiago 3, 18.

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quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Declaração final do sexto colóquio budista-cristão: Um decálogo para a não-violência

Um decálogo, para permitir que os seguidores de Buda e de Jesus Cristo percorram juntos a via da não-violência, foi assinado na conclusão do sexto colóquio budista-cristão, organizado em Taiwan pelo Pontifício conselho para o diálogo inter-religioso. O dicastério vaticano foi representado pelo cardeal presidente Jean-Louis Tauran, pelo bispo secretário Miguel Ángel Ayuso Guixot e pelo subsecretário monsenhor Indunil Kodithuwakku.

Mais de oitenta entre homens e mulheres de ambas as religiões, em representação de dezoito países, participaram nos três dias de trabalhos - de 13 a 15 de novembro no mosteiro budista de Ling Jiou - e na cerimónia de encerramento no Museu das religiões do mundo em Taipei, tornando pública uma declaração final. O documento frisou o precioso contributo oferecido para o melhoramento da compreensão e do conhecimento recíproco, e para o fortalecimento das relações e da cooperação orientadas a promover uma cultura da paz e da não-violência com base em valores partilhados. (...)

Encorajados pelo êxito positivo do colóquio, elaboraram uma espécie de plano de ação em dez pontos:
  1. Promover uma cultura da paz e da não-violência contra a cultura dominante da indiferença; 
  2. Frisar a importância de ouvir o grito das vítimas da violência nas suas múltiplas formas, até condenando as ameaças do nacionalismo desenfreado, do sexismo, do racismo e do fundamentalismo étnico, religioso e de casta; 
  3. Eliminar a pobreza, a injustiça, a desigualdade, a exploração e a discriminação; 
  4. Reconhecer o papel positivo dos meios de comunicação e combater o impacto negativo das notícias falsas (fake news); 
  5. Estimular ações concretas orientadas a recuperar as sociedades polarizadas, através da reconciliação e do perdão, e promover a igualdade e a dignidade das mulheres a fim de prevenir a violência e a discriminação em relação a elas, em particular o flagelo da violência doméstica; 
  6. Desenvolver relações seguras, estáveis e afetuosas a nível familiar e reafirmar a importância da educação; 
  7. Promover a hospitalidade reconhecendo que «nós e os outros partilhamos» uma humanidade comum apesar das diferenças; 
  8. Salvaguardar o meio ambiente evidenciando a interconexão e a interdependência de todas as formas de vida; 
  9. Promover a oração, o silêncio e a meditação para cultivar a liberdade interior, a pureza do coração, a compaixão, a cura e o dom de si como condições essenciais para a paz interior do indivíduo e a social; 
  10. Reconhecer o importante papel que organizações religiosas, pessoas de boa vontade, sociedade civil, organizações governamentais e centros de educação podem desempenhar ao favorecer o diálogo interconfessional e intercultural.
L'Osservatore Romano. Edição semanal em português. 23.11.2017

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terça-feira, 21 de novembro de 2017

Highlights from the Pax Christi delegation to the Vatican conference on nuclear disarmament

On 10-11 November 2017, Pax Christi International sent a delegation to attend a high-level international conference on disarmament in Rome sponsored by the Vatican.

This conference, “Prospects for a World Free from Nuclear Weapons and for Integral Disarmament” was a unique opportunity for civil society, church leaders, Vatican representatives, policy makers and others to discuss the next steps toward freeing the world of nuclear weapons as part of integral human development. Below are highlights from the delegation's participation in the conference.

Media coverage

Pax Christi Internacional

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Papa Francisco: Cuidar dos pobres é um dever evangélico

Mesmo se «aos olhos do mundo têm pouco valor», os pobres «abrem-nos a via do céu, são o nosso “passaporte para o paraíso”», recordou o Papa Francisco durante a missa presidida na manhã de domingo, 19 de novembro, na basílica vaticana, na presença de quase sete mil necessitados, pessoas menos abastadas e desabrigados, além de numerosos voluntários.

Instituído pelo Pontífice em 2016 com a carta apostólica Misericordia et misera na conclusão do jubileu da misericórdia, o primeiro dia mundial dos pobres viveu em São Pedro o seu solene momento celebrativo. E prosseguiu no sinal da solidariedade na Sala Paulo VI, onde o Papa partilhou o almoço com cerca de mil e quinhentos indigentes de diversos países.

Na homilia da missa, inspirando-se na parábola dos talentos, Francisco frisou que «a omissão é o grande pecado em relação aos pobres». E torna-se verdadeira «indiferença» quando nos viramos «para o outro lado no momento em que o irmão está em necessidade» ou ignoramos «o mal sem nada fazer», esquecendo-nos de que «nos pobres se manifesta a presença de Jesus», o qual «de rico se fez pobre». Por isso, afirmou o Pontífice, «na sua fragilidade, têm uma “força salvífica”». E «para nós é dever evangélico cuidar deles, que são a nossa verdadeira riqueza, e fazê-lo não só dando pão mas também partindo com eles o pão da Palavra, do qual eles são os mais naturais destinatários».

«Amar o pobre significa lutar contra todas as pobrezas espirituais e materiais», afirmou Francisco. Eis então os votos – formulados durante o Angelus recitado na praça de São Pedro depois da missa – para que «os pobres estejam no centro das nossas comunidades não só em momentos como este mas sempre; porque eles estão no coração do Evangelho, neles encontramos Jesus que nos fala e nos interpela através dos seus sofrimentos e necessidades». Deve ser interpretado neste sentido o sucessivo apelo lançado pelo Pontífice a favor das «populações que vivem uma pobreza dolorosa por causa da guerra e dos conflitos». À comunidade internacional o Papa pediu «que faça todos os esforços possíveis para favorecer a paz, em particular no Médio Oriente». E dirigiu «um pensamento especial ao querido povo libanês», invocando «a estabilidade do país, a fim de que possa continuar a ser uma “mensagem” de respeito e convivência para toda a região e para o mundo inteiro».

L'Osservatore Romano

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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Papa Francisco: Não à lógica da intimidação

A corrida aos armamentos nucleares é funcional a «uma lógica de medo» que hoje ameaça não só os estados em conflito mas «o inteiro género humano». Foi a admoestação feita pelo Papa Francisco no discurso pronunciado na manhã de sexta-feira, 10 de novembro, na sala Clementina, durante a audiência aos participantes no congresso internacional promovido pelo Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral.

No encontro convocado no Vaticano até dia 11, para discutir acerca das «perspetivas de um mundo livre das armas nucleares e de um desarmamento integral», participam também onze prémios Nobel que entregaram ao Pontífice o texto de um apelo para invocar «uma paz mundial sustentável e impedir que as armas nucleares se difundam e sejam usadas». Particularmente significativo foi o testemunho de Masako Wada, uma dos últimos “hibakusha”, como chamam no Japão aos sobreviventes dos bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki.

No seu discurso o Pontífice falou do clima de conflitualidade instável que está a levar o mundo a uma corrida incessante aos armamentos, e denunciou a apreensão que se sente considerando «as consequências catastróficas humanitárias e ambientais que derivam de qualquer uso das armas nucleares». Isto obriga a uma firme condenação da «ameaça do seu uso», assim como «da sua posse», até porque não se pode subestimar «o risco de uma explosão acidental por um erro de qualquer tipo». O Papa condena principalmente a lógica da força militar, das intimidações recíprocas e da ostentação dos arsenais bélicos, que parecem dominar as relações internacionais. Com efeito – admoestou – «as armas de destruição de massa, em particular as atómicas, causam um enganador sentido de insegurança e não podem constituir a base da convivência pacífica entre os membros da família humana».

Face aos «cenários angustiantes» da geopolítica contemporânea, Francisco evoca também os desafios do terrorismo e dos “conflitos assimétricos”, favorecidos por tecnologias que se difundem através de comunicações telemáticas, e a falta de instrumentos jurídicos internacionais que «não impediram que novos estados se juntassem ao círculo dos possuidores de armas atómicas». Contudo, não bastante isto, o Pontífice pretende acender «no nosso mundo desordenado as luzes da esperança», animado por um realismo sadio baseado, por exemplo, na histórica votação na sede da Onu, com a qual «a maior parte dos membros da comunidade internacional estabeleceu que as armas nucleares não são apenas imorais, mas devem ser consideradas inclusive um instrumento de guerra ilegítimo». Aliás, graças a este tratado, foi «colmado um vazio jurídico importante, dado que as armas químicas, as biológicas, as minas anti-homem e as bombas-cacho constituem armamentos expressamente proibidos através de convenções internacionais». E a este propósito Francisco considera «ainda mais significativo o facto de que estes resultados se devem principalmente a uma “iniciativa humanitária” promovida por uma válida aliança entre sociedade civil, estados, organizações internacionais, Igrejas, academias e peritos».

Por fim o Papa recordou a encíclica Populorum progressio de Paulo VI, frisando que só um «progresso efetivo e inclusivo pode tornar realizável a utopia de um mundo livre de armas ofensivas mortais, não obstante a crítica» de quantos «consideram idealistas os processos de desmantelamento dos arsenais».

Discurso do Papa

L'Osservatore Romano

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Papa Francisco: Não à indiferença sobre a crise ambiental

Renovado apelo de Francisco à colaboração e ao compromisso para contrastar os efeitos da crise ambiental. O convite está contido na mensagem papal enviada ao primeiro-ministro das Ilhas Fiji, que preside à 23ª sessão da Conferência dos Estados-Parte da Convenção-Quadro da Onu sobre as mudanças climáticas (Cop 23), em curso em Bonn, Alemanha, até 17 de novembro.

«Há pouco menos de dois anos - recorda - a comunidade internacional, após um longo e complexo debate, chegou à adoção do histórico Acordo de Paris», graças ao qual foi alcançado «um consenso sobre a necessidade de empreender uma estratégia compartilhada para contrastar» este preocupante fenómeno. De resto, «a vontade de dar continuidade a este consenso foi realçada pela velocidade» com que o Acordo «entrou em vigor, depois de menos de um ano da sua adoção». Ele «indica um claro percurso de transição para um modelo de desenvolvimento económico com baixo ou nenhum consumo de carbono, encorajando à solidariedade e contando com os fortes vínculos existentes entre a luta contra a mudança climática e a pobreza». Uma transição que é «solicitada pela urgência climática a qual exige maior esforço da parte dos países, alguns dos quais deveriam procurar desempenhar o papel de guia nesta transição, preocupando-se com as necessidades das populações mais vulneráveis».

A tal propósito, o Pontífice indica quatro atitudes que devem ser evitadas diante da crise ambiental: «negação, indiferença, resignação e confiança em soluções inadequadas». Além disso, também não «nos podemos limitar à dimensão económica e tecnológica»: com efeito, «as soluções técnicas são necessárias mas insuficientes»; e «é essencial e imperativo ter em consideração os aspetos e os impactos éticos e sociais do novo paradigma de desenvolvimento». Por isso, o Papa recomenda que se «preste atenção à educação e a estilos de vida orientados para uma ecologia integral».

Mensagem do Papa

L'Osservatore Romano

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sábado, 18 de novembro de 2017

1º Dia Mundial dos Pobres

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
PARA O I DIA MUNDIAL DOS POBRES

XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM
(19 DE NOVEMBRO DE 2017)


«Não amemos com palavras, mas com obras»

1. «Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade» (1 Jo 3, 18). Estas palavras do apóstolo João exprimem um imperativo de que nenhum cristão pode prescindir. A importância do mandamento de Jesus, transmitido pelo «discípulo amado» até aos nossos dias, aparece ainda mais acentuada ao contrapor as palavras vazias, que frequentemente se encontram na nossa boca, às obras concretas, as únicas capazes de medir verdadeiramente o que valemos. O amor não admite álibis: quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar do Filho de Deus, e João recorda-a com clareza. Assenta sobre duas colunas mestras: o primeiro a amar foi Deus (cf. 1 Jo 4, 10.19); e amou dando-Se totalmente, incluindo a própria vida (cf. 1 Jo 3, 16).Um amor assim não pode ficar sem resposta. Apesar de ser dado de maneira unilateral, isto é, sem pedir nada em troca, ele abrasa de tal forma o coração, que toda e qualquer pessoa se sente levada a retribuí-lo não obstante as suas limitações e pecados. Isto é possível, se a graça de Deus, a sua caridade misericordiosa, for acolhida no nosso coração a pontos de mover a nossa vontade e os nossos afetos para o amor ao próprio Deus e ao próximo. Deste modo a misericórdia, que brota por assim dizer do coração da Trindade, pode chegar a pôr em movimento a nossa vida e gerar compaixão e obras de misericórdia em prol dos irmãos e irmãs que se encontram em necessidade.

2. «Quando um pobre invoca o Senhor, Ele atende-o» (Sl 34/33,7). A Igreja compreendeu, desde sempre, a importância de tal invocação. Possuímos um grande testemunho já nas primeiras páginas do Atos dos Apóstolos, quando Pedro pede para se escolher sete homens «cheios do Espírito e de sabedoria» (6,3), que assumam o serviço de assistência aos pobres. Este é, sem dúvida, um dos primeiros sinais com que a comunidade cristã se apresentou no palco do mundo: o serviço aos mais pobres. Tudo isto foi possível, por ela ter compreendido que a vida dos discípulos de Jesus se devia exprimir numa fraternidade e numa solidariedade tais, que correspondesse ao ensinamento principal do Mestre que tinha proclamado os pobres bem-aventurados e herdeiros do Reino dos céus (cf. Mt 5,3).

«Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um» (At 2,45). Esta frase mostra, com clareza, como estava viva nos primeiros cristãos tal preocupação. O evangelista Lucas – o autor sagrado que deu mais espaço à misericórdia do que qualquer outro – não está a fazer retórica, quando descreve a prática da partilha na primeira comunidade. Antes pelo contrário, com a sua narração, pretende falar aos fiéis de todas as gerações (e, por conseguinte, também à nossa), procurando sustentá-los no seu testemunho e incentivá-los à ação concreta a favor dos mais necessitados. E o mesmo ensinamento é dado, com igual convicção, pelo apóstolo Tiago, usando expressões fortes e incisivas na sua Carta: «Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que O amam? Mas vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? (…) De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta» (2, 5-6.14-17).

3. Contudo, houve momentos em que os cristãos não escutaram profundamente este apelo, deixando-se contagiar pela mentalidade mundana. Mas o Espírito Santo não deixou de os chamar a manterem o olhar fixo no essencial. Com efeito, fez surgir homens e mulheres que, de vários modos, ofereceram a sua vida ao serviço dos pobres. Nestes dois mil anos, quantas páginas de história foram escritas por cristãos que, com toda a simplicidade e humildade, serviram os seus irmãos mais pobres, animados por uma generosa fantasia da caridade!

Dentre todos, destaca-se o exemplo de Francisco de Assis, que foi seguido por tantos outros homens e mulheres santos, ao longo dos séculos. Não se contentou com abraçar e dar esmola aos leprosos, mas decidiu ir a Gúbio para estar junto com eles. Ele mesmo identificou neste encontro a viragem da sua conversão: «Quando estava nos meus pecados, parecia-me deveras insuportável ver os leprosos. E o próprio Senhor levou-me para o meio deles e usei de misericórdia para com eles. E, ao afastar-me deles, aquilo que antes me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo» (Test 1-3: FF 110). Este testemunho mostra a força transformadora da caridade e o estilo de vida dos cristãos.

Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida. Na verdade, a oração, o caminho do discipulado e a conversão encontram, na caridade que se torna partilha, a prova da sua autenticidade evangélica. E deste modo de viver derivam alegria e serenidade de espírito, porque se toca com as mãos a carne de Cristo. Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia. O Corpo de Cristo, partido na sagrada liturgia, deixa-se encontrar pela caridade partilhada no rosto e na pessoa dos irmãos e irmãs mais frágeis. Continuam a ressoar de grande atualidade estas palavras do santo bispo Crisóstomo: «Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no tempo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez» (Hom. in Matthaeum, 50, 3: PG 58).

Portanto somos chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma.

4. Não esqueçamos que, para os discípulos de Cristo, a pobreza é, antes de mais, uma vocação a seguir Jesus pobre. É um caminho atrás d’Ele e com Ele: um caminho que conduz à bem-aventurança do Reino dos céus (cf. Mt 5,3; Lc 6,20). Pobreza significa um coração humilde, que sabe acolher a sua condição de criatura limitada e pecadora, vencendo a tentação de omnipotência que cria em nós a ilusão de ser imortal. A pobreza é uma atitude do coração que impede de conceber como objetivo de vida e condição para a felicidade o dinheiro, a carreira e o luxo. Mais, é a pobreza que cria as condições para assumir livremente as responsabilidades pessoais e sociais, não obstante as próprias limitações, confiando na proximidade de Deus e vivendo apoiados pela sua graça. Assim entendida, a pobreza é o metro que permite avaliar o uso correto dos bens materiais e também viver de modo não egoísta nem possessivo os laços e os afetos (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 25-45).

Assumamos, pois, o exemplo de São Francisco, testemunha da pobreza genuína. Ele, precisamente por ter os olhos fixos em Cristo, soube reconhecê-Lo e servi-Lo nos pobres. Por conseguinte, se desejamos dar o nosso contributo eficaz para a mudança da história, gerando verdadeiro desenvolvimento, é necessário escutar o grito dos pobres e comprometermo-nos a erguê-los do seu estado de marginalização. Ao mesmo tempo recordo, aos pobres que vivem nas nossas cidades e nas nossas comunidades, para não perderem o sentido da pobreza evangélica que trazem impresso na sua vida.

5. Conhecemos a grande dificuldade que há, no mundo contemporâneo, de poder identificar claramente a pobreza. E todavia esta interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados pelo sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pelas torturas e a prisão, pela guerra, pela privação da liberdade e da dignidade, pela ignorância e pelo analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de trabalho, pelo tráfico de pessoas e pela escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada. A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro. Como é impiedoso e nunca completo o elenco que se é constrangido a elaborar à vista da pobreza, fruto da injustiça social, da miséria moral, da avidez de poucos e da indiferença generalizada!

Infelizmente, nos nossos dias, enquanto sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes sectores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da sociedade.

Todos estes pobres – como gostava de dizer o Beato Paulo VI – pertencem à Igreja por «direito evangélico» (Discurso de abertura na II Sessão do Concílio Ecuménico Vaticano II, 29/IX/1963) e obrigam à opção fundamental por eles. Por isso, benditas as mãos que se abrem para acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança. Benditas as mãos que superam toda a barreira de cultura, religião e nacionalidade, derramando óleo de consolação nas chagas da humanidade. Benditas as mãos que se abrem sem pedir nada em troca, sem «se» nem «mas», nem «talvez»: são mãos que fazem descer sobre os irmãos a bênção de Deus.

6. No termo do Jubileu da Misericórdia, quis oferecer à Igreja o Dia Mundial dos Pobres, para que as comunidades cristãs se tornem, em todo o mundo, cada vez mais e melhor sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais carenciados. Quero que, aos outros Dias Mundiais instituídos pelos meus Predecessores e sendo já tradição na vida das nossas comunidades, se acrescente este, que completa o conjunto de tais Dias com um elemento requintadamente evangélico, isto é, a predileção de Jesus pelos pobres.

Convido a Igreja inteira e os homens e mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em todos aqueles que estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa solidariedade. São nossos irmãos e irmãs, criados e amados pelo único Pai celeste. Este Dia pretende estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura do descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro. Ao mesmo tempo, o convite é dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade. Deus criou o céu e a terra para todos; foram os homens que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão.

7. Desejo que, na semana anterior ao Dia Mundial dos Pobres – que este ano será no dia 19 de novembro, XXXIII domingo do Tempo Comum –, as comunidades cristãs se empenhem na criação de muitos momentos de encontro e amizade, de solidariedade e ajuda concreta. Poderão ainda convidar os pobres e os voluntários para participarem, juntos, na Eucaristia deste domingo, de modo que, no domingo seguinte, a celebração da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo resulte ainda mais autêntica. Na verdade, a realeza de Cristo aparece em todo o seu significado precisamente no Gólgota, quando o Inocente, pregado na cruz, pobre, nu e privado de tudo, encarna e revela a plenitude do amor de Deus. O seu completo abandono ao Pai, ao mesmo tempo que exprime a sua pobreza total, torna evidente a força deste Amor, que O ressuscita para uma vida nova no dia de Páscoa.

Neste domingo, se viverem no nosso bairro pobres que buscam proteção e ajuda, aproximemo-nos deles: será um momento propício para encontrar o Deus que buscamos. Como ensina a Sagrada Escritura (cf. Gn 18, 3-5; Heb 13, 2), acolhamo-los como hóspedes privilegiados à nossa mesa; poderão ser mestres, que nos ajudam a viver de maneira mais coerente a fé. Com a sua confiança e a disponibilidade para aceitar ajuda, mostram-nos, de forma sóbria e muitas vezes feliz, como é decisivo vivermos do essencial e abandonarmo-nos à providência do Pai.

8. Na base das múltiplas iniciativas concretas que se poderão realizar neste Dia, esteja sempre a oração. Não esqueçamos que o Pai Nosso é a oração dos pobres. De facto, o pedido do pão exprime o abandono a Deus nas necessidades primárias da nossa vida. Tudo o que Jesus nos ensinou com esta oração exprime e recolhe o grito de quem sofre pela precariedade da existência e a falta do necessário. Aos discípulos que Lhe pediam para os ensinar a rezar, Jesus respondeu com as palavras dos pobres que se dirigem ao único Pai, em quem todos se reconhecem como irmãos. O Pai Nosso é uma oração que se exprime no plural: o pão que se pede é «nosso», e isto implica partilha, comparticipação e responsabilidade comum. Nesta oração, todos reconhecemos a exigência de superar qualquer forma de egoísmo, para termos acesso à alegria do acolhimento recíproco.

9. Aos irmãos bispos, aos sacerdotes, aos diáconos – que, por vocação, têm a missão de apoiar os pobres –, às pessoas consagradas, às associações, aos movimentos e ao vasto mundo do voluntariado, peço que se comprometam para que, com este Dia Mundial dos Pobres, se instaure uma tradição que seja contribuição concreta para a evangelização no mundo contemporâneo.

Que este novo Dia Mundial se torne, pois, um forte apelo à nossa consciência crente, para ficarmos cada vez mais convictos de que partilhar com os pobres permite-nos compreender o Evangelho na sua verdade mais profunda. Os pobres não são um problema: são um recurso de que lançar mão para acolher e viver a essência do Evangelho.

Vaticano, Memória de Santo António de Lisboa, 13 de junho de 2017.

Franciscus

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ADVENTO 2017: Percorramos o caminho da não-violência… Contributos para a celebração do Advento 2017

Vivemos num mundo em que a violência parece algo intrínseco ao modo como a sociedade moderna se organiza e se desenvolve.

Presente e evidente, mas também escondida e latente, nos mais diversos sectores da vida social (família, escola e sociedade), a violência pode-se expressar de maneiras diferentes e a variados níveis: marginalização e opressão, conflitos militares e terrorismo, alterações climáticas e degradação ambiental, desigualdade e pobreza, e agressão interpessoal.

Qual o caminho a seguir para superar este problema omnipresente no quotidiano contemporâneo? Responder à violência com violência? No entanto, e ao contrário do que “o mundo” nos pretende fazer crer, a violência gera sempre mais violência, como a história o tem demonstrado, e tudo o que se obtém com essa atitude, como alerta o Papa Francisco, é «desencadear represálias e espirais de conflitos letais que beneficiam apenas a poucos “senhores da guerra”» e não uma paz justa e sustentável.

É utópico pensar que o recurso à violência possa ajudar a resolver os problemas que a humanidade enfrenta actualmente a nível global: «A violência não é o remédio para o nosso mundo dilacerado», adverte o Papa.

É, pois, premente enveredar por um caminho diferente, que a uma espiral de violência e de destruição oponha uma espiral de reconciliação e de vida. Esse caminho é o da não-violência activa e criativa. Escolhê-lo e seguir por ele, no dia-a-dia das nossas vidas, foi o desafio que nos lançou o Papa Francisco na sua mensagem para a celebração do 50º Dia Mundial da Paz, a 1 de Janeiro de 2017 (Cf. PAPA FRANCISCO, A não-violência; IDEM, Discurso por ocasião da apresentação das Cartas Credenciais de alguns embaixadores, 15 de dezembro de 2016).

E porque este foi o caminho trilhado pelo próprio Jesus Cristo (Cf. PAPA FRANCISCO, A não-violência, n. 3 e 6), para os cristãos seguir por ele torna-se um imperativo: «Hoje, ser verdadeiro discípulo de Jesus significa aderir também à sua proposta de não-violência» (PAPA FRANCISCO, A não-violência, n. 3. Cf. PAPA BENTO XVI, Angelus, 18 de Fevereiro de 2007).

Neste mesmo sentido, a convite do Conselho Pontifício Justiça e Paz, da Pax Christi Internacional e de muitas outras organizações católicas internacionais, 85 pessoas de todo o mundo, muitas das quais provenientes de países que estiveram em guerra ou que lidavam com violência grave há décadas, reuniram-se em Roma, de 11 a 13 Abril de 2016, para reflectir sobre “Não-violência e Paz Justa: Contributo para a compreensão e compromisso católicos com a não-violência”.

Do documento final dessa conferência, “Um apelo à Igreja Católica a com-prometer-se de novo com a centralidade da não-violência evangélica”, foram retirados os textos para esta brochura que a Pax Christi Portugal, como tem vindo a ser costume, preparou para o tempo de Advento, com contributos para a sua celebração e vivência seja na paróquia, em família ou em grupo, tendo como ideia central a temática da Paz.

Neste tempo litúrgico em que, em expectativa vigilante e laboriosa, alimentada pela oração e pelo compromisso efectivo do amor feito serviço, nos preparamos para acolher o Deus que vem ao nosso encontro como «Menino inerme para vencer a soberba, a violência e a ambição de posse do homem» (PAPA BENTO XVI, Audiência Geral, 23 de Dezembro de 2009) dediquemo-nos activamente a promover um novo estilo de vida que rejeite a violência em todas as suas formas e respeite a pessoa humana e a nossa casa comum: Façamos da não-violência o nosso estilo de vida!

Novembro de 2017

Percorramos o caminho da não-violência… Contributos para a celebração do Advento 2017 está disponível para impressão aqui.

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