27 de Janeiro: Dia Internacional de Comemoração em Memória das Vítimas do Holocausto
A sociedade que conheci era constituída por três categorias, e três categorias apenas: os assassinos, as vítimas e os que assistiam. Durante os períodos mais negros, dentro dos guetos e dos campos de morte [...], sentíamo-nos abandonados, esquecidos. Todos nós.
E a nossa única consolação, miserável consolação essa, era estarmos convencidos de que Auschwitz e Treblinka eram segredos bem guardados; de que os dirigentes do mundo livre não sabiam o que se passava por trás daqueles muros e daquele arame farpado; de que não tinham conhecimento da guerra que os exércitos de Hitler e seus cúmplices travavam contra os judeus, e que era uma componente da guerra que travavam contra os Aliados.
Achávamos que, se soubessem, esses dirigentes teriam movido céus e terra para acabar com aquilo. Que teriam falado com mais coragem e mais convicção. Que teriam bombardeado as linhas de caminho-de-ferro que iam dar a Birkenau, só aquelas linhas de caminho-de-ferro, uma vez que fosse.
Sabemos agora, ficámos a saber, descobrimos que o Pentágono sabia, que o Departamento de Estado sabia. […]
A triste história do St. Louis é reveladora. Há sessenta anos, a carga humana que esse navio transportava – mil judeus – foi devolvida à Alemanha nazi. E isso passou-se a seguir a Kristallnacht, a seguir ao primeiro progrom patrocinado pelo Estado, em que centenas de lojas de judeus foram destruídas, dezenas de sinagogas foram incendiadas, milhares de pessoas foram enviadas para campos de concentração. E esse navio, que já se encontrava à vista dos Estados Unidos, foi mandado para trás.
Não compreendo. Roosevelt era um homem bom, um homem com coração. Compreendia as pessoas que precisavam de ajuda. Porque foi que ele impediu esses refugiados de desembarcar? Um milhar de pessoas à vista da América, esse grandioso país, a mais sólida das democracias, a mais generosa das novas nações da história moderna. O que foi que aconteceu? Não compreendo. A que ficou a dever-se a indiferença, ao mais alto nível, pelo sofrimento das vítimas?
Mas também houve seres humanos que se mostraram sensíveis à nossa tragédia. Aqueles que não judeus, aqueles cristãos a quem chamamos «Justos entre as Nações», cujos heróicos actos de altruísmo salvaram a honra da sua fé. Por que motivo foram tão poucos? Por que motivo se fez mais esforço para salvar os assassinos das SS depois da guerra do que para salvar as vítimas desses homens durante a guerra?
Porque foi que algumas das maiores empresas americanas continuaram a ter relações comerciais com a Alemanha de Hitler até 1942? Tem sido aventado, até com documentos, que a Wehrmacht não teria conseguido invadir a França sem o petróleo que obteve em fontes americanas. Como se explica esta indiferença?
Elie Wiesel
Discurso pronunciado na “VII Noite do Milénio na Casa Branca”, Washington, a 12 de Abril de 1999
Etiquetas: CULTURA DA PAZ E NÃO-VIOLÊNCIA