a OBSERVATÓRIO DA PAX: Reflexão dos Copresidentes da Pax Christi Internacional sobre a mensagem do Papa Francisco para o 53º Dia Mundial da Paz

quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Reflexão dos Copresidentes da Pax Christi Internacional sobre a mensagem do Papa Francisco para o 53º Dia Mundial da Paz

REFLEXÃO DOS COPRESIDENTES DA PAX CHRISTI INTERNACIONAL SOBRE A MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O 53º DIA MUNDIAL DA PAZ
1 DE JANEIRO DE 2020

A 52ª mensagem do Dia Mundial da Paz do Papa Francisco no ano de 2019 convidou-nos a refletir sobre o tema “A boa política está ao serviço da paz”. A mensagem do Papa era que a política, apesar de essencial à construção de comunidades e instituições humanas, pode tornar-se um meio de opressão, marginalização e até de destruição quando a vida política não é vista como uma forma de serviço à sociedade como um todo. Este ano, o tema do 53º Dia Mundial da Paz do Papa Francisco em 2020 é “A paz como caminho de esperança: diálogo, reconciliação e conversão ecológica”. A reflexão sobre este tema é retratada nas seguintes seções da sua mensagem (1) A paz, caminho de esperança face aos obstáculos e provações. (2) A paz, caminho de escuta baseado na memória, solidariedade e fraternidade. (3) A paz, caminho de reconciliação na comunhão fraterna. (4) A paz, caminho de conversão ecológica.

Num mundo devastado por guerra e conflitos que frequentemente afetam os marginalizados e os vulneráveis da nossa sociedade, somos convidados a refletir sobre a paz como objeto da nossa esperança e aspiração de toda a família humana. A virtude da esperança inspira-nos e mantém-nos na nossa caminhada, mesmo quando os obstáculos parecem esmagadores. O Papa aborda as diferentes formas de violência que estão a dilacerar a humanidade e o seu verdadeiro significado. Ele afirma: “Na realidade, toda a guerra se revela um fratricídio que destrói o próprio projeto de fraternidade, inscrito na vocação da família humana”.

A mensagem do Papa Francisco é uma mensagem muito forte, uma mensagem vocacional. Esta vocação é a dos filhos de Deus, irmãos e irmãs. Mas o Papa sublinha a “impaciência pela diversidade do outro, que fomenta o desejo de […] domínio. Nasce no coração do homem a partir do egoísmo e do orgulho, do ódio que induz a destruir, a dar uma imagem negativa do outro, a excluí-lo e cancelá-lo”. Ele enfatiza o facto de que a “guerra nutre-se com a perversão das relações, com as ambições hegemónicas, os abusos de poder, com o medo do outro e a diferença vista como obstáculo”. Pelo contrário, respeitando, confiando nos outros e vendo-os como filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs, podemos “romper a espiral da vingança e empreender o caminho da esperança”.

Refletindo sobre esta mensagem, temos a oportunidade de agir contra estereótipos e preconceitos de outros, dominação cultural e cegueira cultural e várias formas de exclusão experimentadas nas nossas comunidades, país e em todo o mundo devido à raça, género, credo, etnia, estatuto, orientação e idade. Mais importante, o Papa coloca algumas questões críticas para nos ajudar a refletir sobre a nossa falta de aceitação, desconfiança e medo dos outros como indivíduos e/ou comunidade. “Como construir um caminho de paz e mútuo reconhecimento? Como romper a lógica morbosa da ameaça e do medo? Como quebrar a dinâmica de desconfiança atualmente prevalecente?” Outra pergunta importante a ser feita é: como lidamos com as divisões dentro de uma sociedade, o aumento das desigualdades sociais e a recusa em empregar os meios para garantir o desenvolvimento humano integral que põe em risco a busca do bem comum? Isto exige profunda reflexão e o estímulo do Espírito Santo, que nos iluminará para que respondamos positivamente, tornando-nos artesãos da justiça e da paz.

Segundo o Papa, o mundo desenvolve um estranho paradoxo, ao mesmo tempo que busca garantir a paz “com base numa falsa segurança sustentada por uma mentalidade de medo e desconfiança, que acaba por envenenar as relações entre os povos e impedir a possibilidade de qualquer diálogo”. O clima de medo reforça a fragilidade dos relacionamentos e aumenta o risco de violência, criando círculos viciosos que nunca levam a um relacionamento pacífico. O Papa concentra-se em particular no perigo da dissuasão nuclear que “só pode criar uma segurança ilusória”. Refletindo sobre isto, o Papa Francisco adverte contra a ilusão de pensar que podemos “manter a estabilidade no mundo através do medo da aniquilação”, em vez de proteger e preservar a vida e desenvolver uma “ética global de solidariedade e cooperação ao serviço dum futuro modelado pela interdependência e a corresponsabilidade na família humana inteira de hoje e de amanhã”. Quão inspiradora é esta perceção do Papa Francisco de que a violência em todas as suas formas nunca levou à paz, incluindo especialmente o uso de armas de destruição em massa. A paz nunca será alcançada através da dissuasão nuclear ou de qualquer ato de violência, pelo contrário, “a paz alcança-se no mais fundo do coração humano”. Somos chamados a viver livres do medo, pois temos um Deus que nos ama, apesar das nossas fraquezas e necessidades, como ilustra a parábola do filho pródigo (Lucas 15,11-24). Portanto, na nossa busca pela paz, “pode-nos inspirar o amor de Deus por cada um de nós, amor libertador, ilimitado, gratuito, incansável”. Para quebrar essa dinâmica de desconfiança devemos, portanto, “procurar uma fraternidade real, baseada na origem comum de Deus e vivida no diálogo e na confiança mútua. O desejo de paz está profundamente inscrito no coração do homem e não devemos resignar-nos com nada de menos”.

O Santo Padre fala então da paz como um “caminho de escuta baseado na memória, solidariedade e fraternidade”. Refletindo sobre o horror das bombas atómicas lançadas em Hiroxima e Nagasaki em agosto de 1945 e as memórias dos Hibakusha (os sobreviventes da bomba atómica), o Papa Francisco exalta a importância de manter e preservar a memória de eventos passados. Tais memórias não devem ser apenas um lembrete para impedir que eventos semelhantes aconteçam, “mas também para que a memória, fruto da experiência, constitua a raiz e sugira a vereda para as opções de paz presentes e futuras”. Manter as memórias das vítimas vivas gera nova esperança em indivíduos e comunidades, em vez de buscar vingança, o que tende a criar mais violência. Em vista disso, convidamos cada um de nós a estudar o nosso contexto e, quando aplicável, honrar as memórias das vítimas, para que a esperança delas e a nossa possa acender-se, a fim de aproveitar a paz.

Na escuridão da guerra e da violência, uma simples mão estendida pode, às vezes, despertar novas energias e reavivar novas esperanças em indivíduos e comunidades. Abrir e traçar o caminho da paz é um desafio “complexo”, porque os interesses em jogo nos relacionamentos são múltiplos e contraditórios. Só podemos realmente alcançar a paz se buscarmos a verdade juntos “mais além das ideologias e das diferentes opiniões”. Através do diálogo e ouvindo-nos mutuamente, “podem crescer também o conhecimento e a estima do outro, até ao ponto de reconhecer no inimigo o rosto dum irmão”. O processo de paz é um compromisso de longo prazo. O Papa insiste que “o mundo não precisa de palavras vazias, mas de testemunhas convictas, artesãos da paz abertos ao diálogo sem exclusões nem manipulações”. O Santo Padre desenvolve então o papel da democracia, que pode ser “um paradigma significativo deste processo”. Também adverte contra sociedades fraturadas, nas quais “o aumento das desigualdades sociais e a recusa de empregar os meios para um desenvolvimento humano integral colocam em perigo a prossecução do bem comum”. Cabe à Igreja e às suas organizações participar no serviço deste bem comum, através da transmissão de valores cristãos, ensino moral e obras de educação social.

Na terceira parte de sua mensagem, o Papa refere-se à Bíblia, onde muitas passagens mostram que o outro nunca deve estar fechado no que tem de dizer ou fazer, mas deve ser considerado de acordo com a promessa que carrega dentro de si. O Papa Francisco convida-nos a respeitar, perdoar, reconciliar. Chama-nos a refletir sobre o poder do perdão, conforme ensinado por Jesus Cristo (Mateus 18,21-22) - perdoar “setenta vezes sete”. Aprendemos a viver no perdão para que possamos aumentar “a nossa capacidade de nos tornarmos mulheres e homens de paz” e oferecer essa paz aos homens e mulheres do nosso tempo.

O Santo Padre invoca uma comunhão fraterna em cada área da existência, social, económica e política. Ao fazer isso, imitamos Cristo, que foi o primeiro reconciliador através de sua morte na cruz “estabelecendo a paz pelo seu sangue derramado na cruz” (Colossenses 1,20). Nesta mensagem para o Dia Mundial da Paz, somos lembrados que para aqueles que seguem a Cristo, o caminho para a paz é sustentada pelo sacramento da reconciliação que renova indivíduos e comunidades. Este é um caminho que exige paciência e confiança, ouvindo-nos uns aos outros e contemplando o mundo que Deus deu para ser a nossa casa comum e o das gerações vindouras.

Nesta mensagem de paz, o Papa também nos convida a refletir sobre a “conversão ecológica” como forma de construir a paz. Assim, cada um de nós é desafiado a examinar a nossa atitude exploradora, dominadora, abusiva e egoísta em relação ao meio ambiente e aos recursos que o nosso Criador nos confiou como guardiães. Esta é também uma reflexão sobre a maneira como tratamos os outros, especialmente os marginalizados e vulneráveis. Somos, portanto, convidados a percorrer o caminho da “conversão ecológica”, de modo a respeitar e nutrir a Terra e tudo o que nela vive, inclusive a vida humana. Por meio da conversão ecológica desafiamo-nos a nós mesmos e aos outros a uma nova maneira de encarar a vida, enquanto apreciamos a generosidade de Deus para connosco por nos dar e compartilhar a terra. Isto exige uma mudança de atitude e transformação na maneira como nos relacionamos com o Criador, que é a origem e fonte de toda a vida, com os outros e com a criação de Deus em toda a sua rica variedade. Assim, como refere o Papa: “temos necessidade duma mudança nas convicções e na perspetiva, que nos abra mais ao encontro com o outro e à receção do dom da criação, que reflete a beleza e a sabedoria do seu Artífice”. Além disso, refletindo sobre a recente visita do Papa à Região Pan-Amazónica e a sua reflexão sobre essa visita, o apelo que nos é feito é o de procurar trabalhar para o relacionamento pacífico entre as comunidades e a terra, entre o presente e o passado, entre a experiência e a esperança. O Papa Francisco também nos convida a encontrar novas maneiras de viver juntos, celebrando e partilhando a vida com outros, além de respeitar e apreciar a Terra como a nossa casa comum.

Finalmente, o Papa volta ao tema com que abriu o texto, o da “esperança". “Não se obtém a paz, se não a esperamos”, enfatiza o Papa Francisco, que designa a paciência e a confiança como apoios. E continua a explicar. Em primeiro lugar, isto significa acreditar na possibilidade da paz, acreditar que os outros precisam da paz tanto como nós. Aqui podemos encontrar inspiração no amor que Deus tem por cada um de nós; amor que é libertador, ilimitado, gratuito e incansável.

Que todos nós, nos cinco continentes – velhos e jovens, mulheres e homens, todos criados à imagem e semelhança de Deus – possamos “conhecer uma existência de paz e desenvolver plenamente a promessa de amor e vida que traz em si”. À medida que continuamos a servir nos nossos diferentes contextos e capacidades; que avançamos nas quatro áreas de intervenção da Pax Christi Internacional: (1) Não-violência como estilo de política da paz; (2) Tratado de proibição de armas nucleares: (3) Indústrias Extrativas na América Latina; (4) Processo de paz Israel-Palestina renovado; e na expectativa de comemorar o 75º aniversário da Pax Christi Internacional em maio de 2020 em Hiroxima, que a inspiração desta mensagem deste Dia Mundial da Paz de 2020 continue a ser o ímpeto que nos conduz. Que continuemos a trabalhar por um mundo onde todos experimentarão igualdade e justiça social; onde “o outro” já não é tratado como um inimigo, mas como um amigo, onde as espadas serão transformadas em arados, onde a criação de Deus será nutrida e respeitada e todos se reunirão em gratidão ao Criador de todos nós.

Que o Criador de novos começos caminhe suavemente com cada um de vós e traga a paz para vós e as vossas famílias neste novo ano de 2020. Ao criarem culturas de paz no vosso dia-a-dia, que possam experimentar paz, alegria e esperança.

Bispo Marc Stenger (Bispo de Troyes, França) | Irmã Teresia Wamuyu Wachira, IBVM (Quénia)

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