a OBSERVATÓRIO DA PAX: Declaração da JUPAX Europa: "Criando um refúgio seguro para todos: Refugiados e dignidade humana"

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Declaração da JUPAX Europa: "Criando um refúgio seguro para todos: Refugiados e dignidade humana"

CRIANDO UM REFÚGIO SEGURO PARA TODOS:
REFUGIADOS E DIGNIDADE HUMANA


A Europa está numa encruzilhada: Será que vai demonstrar uma liderança baseada no seu compromisso com os valores dos direitos humanos e da solidariedade, ou vai optar por excluir os refugiados do acesso a uma vida digna e segura, dando lugar a agendas nacionalistas e populistas? A Conferência das Comissões Justiça e Paz europeias (“Justice and Peace Europe”) convida as instituições europeias, os Estados-Membros da UE e outros países europeus a assumirem a responsabilidade de conceder aos refugiados o acesso ao asilo e a um padrão de vida digno.

A Justiça e Paz Europa tem sérias preocupações quanto ao atual debate público e a algumas decisões tomadas nos países europeus e pelas instituições europeias sobre a questão dos refugiados. A chegada dos refugiados é utilizada por vários partidos políticos para alimentar outras agendas políticas em muitas partes da Europa, isto é, campanhas anti-UE e xenófobas. Isso resulta de um debate fortemente polarizado, lançando suspeitas sobre os refugiados e criando uma divisão nas nossas comunidades. Dentro desta retórica, a humanidade dos refugiados, assim como a nossa própria humanidade, é cada vez mais esquecida.

Os ataques terroristas na Europa têm sido relacionados com a chegada de refugiados. Existe o receio de que o extremismo e o radicalismo dos países de origem sejam trazidos para a Europa. Os desafios de segurança na Europa são reais e aumentarão se houver mais ataques terroristas na Europa. No entanto, equiparar refugiados a terroristas só vai de encontro à agenda terrorista de ódio e desilusão. O extremismo e a radicalização existentes nos seus próprios países são, na verdade, os motivos para os refugiados fugirem das suas casas. Eles merecem o nosso apoio. A proteção das liberdades fundamentais e da segurança física tanto dos cidadãos europeus, como dos refugiados, são, portanto, duas faces da mesma moeda.

Para a Justiça e Paz Europa é fundamental expressar os valores fundamentais dos direitos humanos, solidariedade e hospitalidade. No que diz respeito aos refugiados, o trabalho da Justiça e Paz Europa baseia-se em três princípios fundamentais: a centralidade da pessoa humana, a solidariedade e a hospitalidade. Primeiro, cada e todo o ser humano tem um direito inalienável de ser respeitado na sua vida, dignidade e vida social. Em segundo lugar, cada pessoa humana faz parte de uma mesma família humana, independentemente da nacionalidade, origem cultural ou tradição religiosa. Esta interdependência exige uma solidariedade concreta entre povos e Estados. Em terceiro lugar, a hospitalidade liga a centralidade da pessoa ao princípio da solidariedade. Uma comunidade hospitaleira e acolhedora serve o desenvolvimento integral de cada pessoa e da comunidade como um todo. Esses princípios estão estreitamente interligados com os instrumentos dos direitos humanos internacionais nos quais se enfatiza o valor único de cada ser humano. Os refugiados dependem da solidariedade e da hospitalidade de outras comunidades para lhes assegurar os seus direitos humanos como pessoas únicas.

Refletindo sobre a situação humanitária dos refugiados em todo o mundo, a Justiça e Paz Europa defende uma abordagem integral, tanto na análise como na ação. A violência e a guerra persistentes, a desigualdade global, a opressão política e as violações dos direitos humanos e os efeitos negativos das alterações climáticas são apenas algumas das causas profundas dos que têm de fugir de casa em busca de segurança e dignidade humana. Enfrentar estas causas fundamentais exige investir numa economia mundial sustentável, no comércio e na solidariedade global com os direitos humanos fundamentais e a igualdade social no seu núcleo.

No entanto, em vez de abordar a situação sob a perspetiva dos direitos humanos, muitos políticos e cidadãos comuns na Europa tendem a ver os refugiados como uma ameaça à comunidade europeia e à sua segurança. Esta linha de pensamento negligencia principalmente parte da própria experiência histórica da Europa no que respeita à migração (forçada) e renuncia aos exemplos de migração que são um motor para novas ideias e oportunidades. Tratar os refugiados como uma ameaça pode ter consequências práticas graves para a Europa enquanto ator normativo: as decisões políticas violarão os direitos humanos dos refugiados, sobretudo o direito à vida, o direito de requerer asilo e o princípio da não repulsão (non refoulement). Em alguns casos, em vez de resolver ainda piorará a crise humanitária de muitos refugiados que se encontram na Jordânia, na Turquia, na Líbia e em países europeus como a Grécia.

A Justiça e Paz Europa defende uma mudança na abordagem do processo de receção, do pedido de asilo e integração dos refugiados. A Justiça e Paz Europa quer dar prioridade aos direitos humanos como parte de uma resposta inclusiva, em combinação com medidas de segurança adequadas, o que significa reavaliar o equilíbrio entre liberdade e segurança. Isto exige que os países e instituições europeias promovam uma visão e uma definição partilhadas dos valores fundamentais dos direitos humanos e se re-identifiquem com os seus princípios de solidariedade, dignidade humana e diversidade.

Convidamos todas as instituições europeias, os Estados-Membros da UE e outros países europeus a:

Abordar a questão dos refugiados a partir de uma análise holística: reduzir os "fatores de impulso" para os refugiados. Por outras palavras, abordar as causas profundas da violência e das violações dos direitos humanos, implementando, entre outras, políticas económicas, de desenvolvimento, comerciais, de relaões externas e de segurança, enraizadas nos direitos humanos (sociais) e na justiça social. Isso traz consigo obrigações positivas e negativas. Por um lado, por exemplo, significa abster-se de negociar com países com registos de direitos humanos questionáveis com o mero propósito de impedir que os refugiados cheguem à Europa. Por outro lado, exige que a Europa se mostre solidária com os países que já acolhem um número relativamente elevado de refugiados.

Abrir possibilidades de passagem segura para a Europa: salvar vidas e diminuir o sofrimento humano investindo em meios legais para viajar para a Europa, para que as pessoas possam exercer o seu direito de pedir asilo. Os esforços de reinstalação e o alargamento da reunificação familiar, vistos humanitários e opções de visto de trabalho / estudante devem ser intensificados. Verificamos que a ligação entre a passagem segura e os acordos de readmissão com países terceiros é preocupante, pois impede o direito dos refugiados de aceder ao asilo de forma segura.

Criar um sistema europeu de asilo que incorpore a solidariedade entre os países europeus: para estabelecer apenas uma repartição dos encargos, o Regulamento de Dublin deve ser alargado de modo a incluir um sistema de deslocalização automática. Simultaneamente, o que é necessário é uma simplificação das suas regras e uma adesão mais rigorosa a estas, a fim de fazer o sistema funcionar a um nível prático. Uma maior harmonização dos processos de asilo deve ter como prioridade os direitos humanos dos refugiados, uma vez que a ambiguidade e a desigualdade de oportunidades em toda a Europa geram problemas tanto para os países de origem dos refugiados, como para os europeus. Este processo de harmonização tem de ser coerente com os princípios fundadores da União Europeia e as suas liberdades fundamentais.

Investir na solidariedade local em vez de alimentar a polarização: os políticos europeus devem tomar como exemplo as pessoas que se reuniram em toda a Europa para organizar uma vasta gama de iniciativas de solidariedade para e com os refugiados. Isto não significa que essas pessoas não tenham medo e preocupações, mas elas optam por trabalhar a partir dos princípios dos direitos humanos e da solidariedade, os quais são ambos eficazes e inspiradores.

As fronteiras e as ameaças à segurança dominam o pensamento de muitas pessoas. Coletivamente, muitas vezes deixamos de ver a humanidade nos outros, e falhamos nas nossas responsabilidades para com eles. Os refugiados estão a cruzar fronteiras em busca de segurança, mas todos nós precisamos de cruzar fronteiras se quisermos construir um refúgio seguro onde cada pessoa possa realizar-se.


A Conferência das Comissões Justiça e Paz Europeias (Justiça e Paz Europa) é a aliança de 31 Comissões Justiça e Paz na Europa, trabalhando para a promoção da justiça, da paz, do respeito pela dignidade humana e do cuidado da criação. Justiça e Paz Europa contribui para a consciencialização da doutrina social católica nas sociedades europeias e nas instituições europeias. O seu Secretariado-Geral tem sede em Bruxelas.

CNJP

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