Papa Francisco denuncia a ditadura da economia e apela a uma reforma ética financeira
O Papa Francisco lançou esta quinta-feira no Vaticano várias críticas ao atual sistema financeiro, num discurso aos novos embaixadores de quatro países junto da Santa Sé.
Senhores Embaixadores, considerados os progressos que se verificam em vários âmbitos, a humanidade está neste momento a viver uma espécie de viragem na sua história. Não podemos deixar de nos alegrar com os resultados positivos, que concorrem para o bem-estar autêntico da humanidade, por exemplo, nos campos da saúde, educação e comunicação. Mas há que reconhecer também que a maior parte dos homens e mulheres do nosso tempo continua a viver dia a dia numa precariedade de consequências funestas.
Aumentam algumas patologias, com as suas consequências psicológicas; o medo e o desespero apoderam-se do coração de numerosas pessoas, mesmo nos Países considerados ricos; a alegria de viver vai diminuindo; a imoralidade e a violência estão a aumentar; torna-se mais evidente a pobreza. Tem-se de brigar para viver, cingindo-se muitas vezes a uma vida pouco dignificante. A meu ver, uma das causas desta situação reside na relação que temos com o dinheiro, aceitando o seu predomínio sobre nós e as nossas sociedades. Assim a crise financeira, que estamos a atravessar, faz-nos esquecer a sua origem primordial, que se encontra numa profunda crise antropológica, ou seja, na negação da primazia do homem. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32,1-8) encontrou uma nova e cruel versão na idolatria do dinheiro e na ditadura de uma economia realmente sem fisionomia nem finalidade humanas.
A crise mundial, que envolve as finanças e a economia, parece evidenciar as suas deformações e, sobretudo, a sua grave carência de perspectiva antropológica, que reduz o homem a uma única das suas exigências: o consumo. Pior ainda, hoje o próprio ser humano é visto como um bem de consumo, que se pode usar e deitar fora. Começámos esta cultura do bota-fora. Esta perversão verifica-se tanto a nível individual como social; e goza do seu favor! Em tal contexto, a solidariedade, que é o tesouro dos pobres, acaba muitas vezes por ser considerada contraproducente, contrária à racionalidade financeira e económica. Enquanto os rendimentos duma minoria crescem de maneira exponencial, os da maioria vão-se exaurindo. Este desequilíbrio deriva de ideologias que promovem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira, negando assim o direito de controle aos Estados, que têm precisamente a responsabilidade de prover ao bem comum. Instaura-se uma nova tirania, invisível e às vezes virtual, que impõe, unilateralmente e sem recurso possível, as suas leis e regras. Além disso, a dívida e o crédito afastam os Países da sua economia real, e os cidadãos do seu poder real de compra. Depois vem juntar-se a isto uma corrupção tentacular e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A avidez de poder e riqueza não conhece limites.
Por detrás desta atitude, esconde-se a recusa da ética, a recusa de Deus. Como a solidariedade, também a ética incomoda! É considerada contraproducente, vista como demasiado humana, porque relativiza o dinheiro e o poder, e como uma ameaça, porque recusa a manipulação e sujeição da pessoa; porque a ética conduz a Deus, que escapa às categorias do mercado. Deus é considerado por estes financeiros, economistas e políticos como não regulável, Deus não regulável, ou até perigoso, porque chama o homem à sua plena realização e à independência de qualquer tipo de escravidão. A meu ver, a ética – naturalmente não ideológica – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humanos. Neste sentido, encorajo os peritos financeiros e os governantes dos vossos Países a terem em conta estas palavras de São João Crisóstomo: «Não partilhar com os pobres os próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Os bens que possuímos não são nossos, mas deles» (Homilia sobre Lázaro, 1, 6: PG 48, 992D).
Prezados Embaixadores, seria desejável a realização de uma reforma financeira que fosse ética e produzisse, por sua vez, uma reforma económica salutar para todos. Isso, porém, requereria por parte dos dirigentes políticos uma corajosa mudança de atitude. Exorto-os a enfrentarem este desafio com determinação e clarividência, naturalmente tendo em conta a peculiaridade dos respectivos contextos. O dinheiro deve servir, e não governar! Eu amo a todos, ricos e pobres; mas tenho o dever de recordar ao rico, em nome de Cristo, que deve ajudar o pobre, respeitá-lo, promovê-lo. Por isso, o Papa exorta à solidariedade desinteressada e a um retorno à ética que favoreça o homem na realidade financeira e económica.
A Igreja, por sua parte, não cessará de trabalhar pelo desenvolvimento integral de toda a pessoa. Neste sentido, recorda que o bem comum não deveria ser simplesmente um acréscimo, um esquema conceitual de reduzido valor, inserido nos programas políticos. A Igreja encoraja os governantes a permanecerem verdadeiramente ao serviço do bem comum das suas populações. Exorta os dirigentes das realidades financeiras a tomarem em consideração a ética e a solidariedade. E porque não dirigirem-se a Deus para que lhes inspire os seus desígnios!? Formar-se-á então uma nova mentalidade política e económica, que contribuirá para transformar a profunda dicotomia entre as esferas económica e social numa sã convivência.
Etiquetas: JUSTIÇA ECONÓMICA E SOCIAL, VATICANO
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